Friday 19 October 2007

ORDNUNG MUß SEIN

Tantos anos de Escola Alemã deixaram marcas, e portanto esta frase, que se traduz por “A ordem é necessária”, sempre me acompanhou.
Só haveria de compreender o seu verdadeiro significado e rigorosa aplicação muitos anos depois, no Casaquistão.
Um dos fundamentos das sociedades soviéticas era, de facto, a ordem. Como é sobejamente conhecido, esta não era propriamente mantida pela consciência cívica das populações, como podemos observar nas sociedades nórdicas, mas antes pela vigilância constante.
Cada prédio, cada quarteirão, cada empresa e instituição abrigava nas suas fileiras informadores que ajudavam a manter a famosa igualdade desse antigo regime.
Criou-se assim uma enviesada consciência cívica, em que o poder absoluto do Partido era comungado por milhares de fiéis, multiplicando-se assim em milhares de olhos, ouvidos e bocas, prontos a identificar e denunciar os inimigos de classe.
Aqui, pelo menos, esse hábito não se perdeu.
Se por um lado, o poder pertence ao povo, que o exerce através de eleições democráticas, por outro, encontra-se disperso e ciosamente acarinhado por milhares de guardiães na forma de seguranças, contínuos e vigilantes.

Sem escrúpulo, contínuos em universidades abrem portas de salas e escritórios sem bater nem perguntar, olham e retiram-se sem uma palavra ou uma desculpa. Seguranças barram entradas sem justificação. Uma estância balnear perto de Almaty é vigiada por guardas armados com Kalashnikovs. Não imagino para que sejam; talvez para punir o estacionamento indevido.

Entrava certo dia com um grupo de amigos num restaurante, e o segurança resolve proibir-nos de levar os sobretudos para o restaurante. Deviamos deixá-los na entrada. Porquê? Não se sabe. Perguntámos, sem obter resposta. Saimos revoltados.

Outro dia, quis dar um passeio nas montanhas, e estacionei o carro perto de um instituto. Perto, reafirmo, ou seja, fora da área do instituto e fora da estrada para não impedir a passagem. Mesmo assim, umas senhoras vigilantes perguntaram logo quem eu era e que não podia estacionar ali.
Não dei resposta, simplesmente segui caminho.
Mais recentemente, de visita a um parque nacional, para o qual pagámos a entrada, o cenário absolutamente de cortar a respiração rapidamente foi estragado por um guarda abrutalhado a dizer que não podiamos estar ali. No meio de nada, entre montanhas e vales, aquele caminho poeirento simplesmente não podia ser percorrido. Porquê? Não há justificação, apenas ordens.

E por assim adiante. Pequenos poderes, tanto quanto os seus detentores, vão dificultando a vida a quem pouco mais quer que viver honestamente.

Ainda que aceite a ordem como factor indispensável a uma sociedade, não posso aceitar que esta se torne um culto.
Os fanáticos da ordem sempre olharam os outros com desconfiança, e vice-versa.
Enquanto não descubro onde reside o meio termo, vou tolerando os pequenos Napoleões que se me impõem diariamente. Já dizia São Paulo “A lei mata”. Ele sabia, melhor que ninguém.

No comments: