Monday 20 August 2007

A Night at the Opera

Alguns momentos importantes da minha vida foram acompanhados de música. Esta serviu de prelúdio ou de consolo, quando necessário. A sala escura, o beau monde arrumado nas suas cadeiras, a música sobe divina na sala, e já estamos noutro mundo.
Quis repetir esse dolce olvido na minha nova pátria, o longínquo Casaquistão.
Fiel à tradição soviética, a ópera é barata, fortemente subvencionada pelo estado.
Nessa noite, tínhamos “Carmen” no cardápio. Mal podia esperar pela musica vibrante e pela sensualidade andaluza da obra de Georges Bizet.

A ópera começa. Bem me esforcei por me descontrair durante o início, mas um violino ligeiramente desafinado impediu, até ao intervalo, que o meu gozo fosse completo.
No segundo acto, o José, enamorado de Carmen, tentou apoiar casualmente a baioneta de esferovite num caixote, mas a graça do gesto perdeu-se porque a baioneta ia escorregando. Ele bem tentava endireita-la e apoia-la, mas o teimoso trabuco insistia em deitar-se, e o cantor lá teve de interromper toscamente a pose para apoiar o malévolo instrumento.
Chegado o intervalo, vou até ao impressionante hall da Ópera de Almaty, um majestoso edifício de meados do século XX, uma mescla de motivos árabes e arquitectura neoclassica. Claramente, havia ficado mal habituado com o catering do S. Carlos, porque para saciar os apetites dos espectadores, pouco mais havia que pão seco servido a contragosto por uma funcionária que não estava propriamente extasiada por nos ver.

Ao soar do gongo, volto para o meu lugar e mais uma contrariedade: alguém havia-se sentado no meu lugar. A sala a escurecer, e o meu russo titubeante pouco ajudava. Este tipo de situação não é incomum. Alguém achou que o lugar não era mau, e abancou sem se indagar sobre o possível detentor daquele assento, porque eu, por minha vez, iria procurar outro lugar. Por isso, quando reavi a muito custo o meu lugar, tinha vizinhos diferentes. So aí percebi porque o “jogo da cadeira” se chama “musical chairs” em inglês.

A ópera seguiu o seu caminho, mas não eram os amores de Carmen e José, obnubilados pelo toureiro Escamillo, que eram a atracção principal.

Depois de uma qualquer ária que lhe houvesse agradado, o publico aplaudia entusiasticamente. A cada dez minutos.
Entre os aplausos incomodativos havia também telemóveis que tocavam. Só que, ao contrário de Portugal, aqui as pessoas atendem, mesmo no meio de uma ópera. Sem sequer baixar a voz, la diziam que estavam na ópera e que não podiam falar.

Todas estas contrariedades acirraram a minha raiva, porque esta bem seria necessária para a fase seguinte – o bengaleiro.

Talvez inspirado pela temática taurina, o bom povo melómano precipitou-se em manada para a bancada de onde viriam casacos e cachecóis em cornucópia. E eu, Touro de nascença, e ibérico de sangue, não me fiz rogado. Marrei, furei, e emergi vitorioso de gabardine em punho. Afinal, a cultura é para o povo, ou não?