Monday 30 July 2007

GOOD COP, BAD COP

Os nossos amigos comunistas andaram vários anos a esforçar-se por construir uma sociedade sem classes. Claro que era necessaria uma classe superior que supervisionasse esta sociedade sem classes e a mantivesse no lugar. A pobreza igualmente distribuída das sociedades soviéticas obrigava a toda a sorte de esquemas e corrupções, das quais a aparente igualdade era o disfarce ideal. Aqui pelos meus lados as forças da autoridade ainda estudam por essa cartilha.

Como em todo o universo pós-soviético, os encontros com a polícia são frequentes, e deixam sempre uma sensação de leveza na carteira assinalável.

Será difícil esquecer a história do meu amigo português, a pessoa que me convidou a ir viver para Almaty, a quem um polícia ameaçou com deportação por uma simples infracção de trânsito. A perspectiva de uma viagem gratuita para Portugal ao cuidado da Polícia não se verificou, para grande pena dele.

No que me toca, as minhas interacções com a autoridade têm sido variadas e invariavelmente más. Uma houve, no entanto, que suavizou o peso das anteriores e resgatou a minha crença na bondade humana, pelo menos em parte.

Voltava eu um dia para o escritório com um colega casaque a bordo, quando somos parados por um polícia que nos exigiu, como é hábito, os documentos da viatura (é curioso, os civis andam de carro mas os oficiais de polícia deslocam-se em viaturas). Este agente era muito diferente dos outros que havia conhecido porque sorria. Supus que o sorriso fosse de antecipação pela multinha que aí vinha!

E foi precisamente com um sorriso simpático que me comunicou a eminente apreensão da minha viatura por motivo de prescrição de um dos documentos (cuja existência só então descubri). O panorama que se avizinhava era pouco animador: implicava seguir, com o dito oficial a bordo, para um parque situado fora da cidade, que significaria mais de uma hora de caminho, seguido de uma viagem de volta em taxi. Adeus, tarde de trabalho!

O homem sentou-se ao meu lado, e ia indicando o caminho. O meu amigo seguia no banco de trás. Conhecendo ele bem o seu próprio povo, lá iniciou uma conversa com o polícia. Por qualquer motivo, ele simpatizava connosco. Calmamente, o meu amigo ia descortinando que o nosso agente também tinha os seus negócios, e adiantou logo ser professor de Marketing, e quem sabe, até o podia ajudar. Além disso, ambos éramos publicitários e entendidos nestas coisas da comunicação.

Touché! Trocaram números de telemóvel, e o senhor agente achou que não fazia sentido antagonizar potenciais parceiros de negócio. Mandou-me encostar, cumprimentou-nos com o mesmo sorriso bem disposto, e apeou-se, sem sequer cobrar qualquer espécie de gratificação.

Uff…Bom, é facil de imaginar que o meu encontro seguinte com as autoridades foi bem pesado para o orçamento.

Mas aprendi a minha lição, e tornei-me mais exigente. Só aceito pagar mediante a contraprestação de um sorriso.

Friday 13 July 2007

C.I.A. Boys

Em Portugal os comboios representam uma ameaça para quem está fora deles. No Casaquistão, a ameaça está lá dentro. A primeira vez que fiz uma viagem de comboio de Almaty, no sul do país até à capital Astana, por pouco escapei de ser preso. Descubri, já um pouco tarde, que tinha que ter documentos para apresentar à polícia sempre presente dentro das composições a verificar a presença de possíveis ilegais a bordo.

A segurança permanente contrasta directamente com a atmosfera calma e segura do país. Depois de ver seguranças armados a guardar uma farmácia, já acreditava em tudo, mas para ver até onde vai a imaginação destas boas gentes , teria de voltar a andar de comboio. Desta feita, munido dos necessários documentos que me manteriam fora do cárcere por mais algum tempo.

Viajava com um amigo, que havia trazido os pais do seu país natal para conhecer o Casaquistão. Pouco depois de deixarmos a cidade naquele fim de tarde luminoso e abafado, e enquanto a mãe se demorava no compartimento, os três homens encostavam-se molemente à janela. Começo então a perceber que ao meu lado um homem contempla igualmente a paisagem e vai olhando para mim, com aquela expressão indesmentível de quem quer entabular (palavra interessante, que me lembra Tábua, por qualquer razão) contacto com um estranho. Claudiquei à pressão e olhei-o. Camisa aberta até à barriga, olho turvo da embriaguez, pele suada e um sorriso simples e franco.
Como é habitual por cá, cumprimentou-me efusamente, depois aos meus companheiros, e imediatamente nos convidou a tomar umas cervejas no wagon restaurant. A ideia de ser amamentado a cerveja por um estranho num compartimento cheio de fumo e gente a falar alto pareceu-me demasiado irresistível para recusar.

O nosso amigo, Bauyrzhan de sua graça, personificava a hospitalidade casaque sem falhas. Cervejas e aperitivos iam e vinham sem descanso, e ele sempre atento ao nosso bem-estar. Sem duplicidade, sem nada na manga. Somente generosidade. Às tantas, já ele está na mesa ao lado a falar com estranhos, e um dos homens dessa mesa já se sentou à nossa. Era jornalista e trazia uma pergunta bombástica, a mais fantasiosa que alguma vez me foi colocada, que formulou um pouco a medo.
Ele e os seus companheiros haviam sido prevenidos pelo chefe de cabine que havia três estrangeiros a bordo (nós!!!) que se suspeitava serem agentes da CIA encarregues da missão de propagar o vírus do SIDA no sul do país, onde nos destinávamos, segundo acreditavam ser a estratégia da agência norte-americana!

Pasmei e ri desbragadamente...olhei para o pai do meu amigo, e não o imaginava a propagar fosse o que fosse, à excepção de gás metano na nossa cabine daí a umas horas.
Resolvida a suspeita, hesitei entre várias atitudes a tomar – indagar sobre tão estranha teoria, rebatê-la veementemente – e decidi pela mais sábia. Ou seja, responder a pergunta com outra: “Ah, ok...Mas pode pedir-me mais uma cerveja?”

Tuesday 10 July 2007

Dizem algumas luminárias da publicidade que esta deve constituir entertenimento, para além da pura e simples passagem de informação de cariz (adoro esta palavra, parece uma mistura entre “caril” e “nariz”) publicitário.

Neste contexto, qual não foi a minha alegria quando fui convidado a fazer parte de um juri do festival que escolhe a melhor publicidade no Casaquistão. Onde outros veriam enfado, eu vi a oportunidade única de ser confrontado com peças de comunicação extremamente mal realizadas que me fariam rir que nem um perdido durante um periodo considerável de tempo.
De todas as peças que me coube analisar, uma destacava-se, infelizmente, não pelos melhores motivos. Enquanto a descrição deste anúncio poderia ser matéria de um tratado de mau gosto, as linhas gerais bastarão para caracterizar esta obra tão singular.
Tudo gira em torno de um cavalheiro rubicundo, que vemos entrar num automóvel topo de gama, depois no escritório, e finalmente em casa, com uma mulher convenientemente esbelta em pé atrás de si. O cerdo refastela-se no sofá, e aparece o “packshot” do produto, que afinal era uma vodka chamada.......”A dignidade do homem”! Fenomenal, não?

Isto tem mais que se lhe diga. A relação entre homens e mulheres no Casaquistão (e na Rússia) é bem diferente da Europa ocidental. Enquanto pelos nossos (perdão, vossos) lados, o tema da igualdade entre os sexos ainda é tema de debate, por cá não o é. Por um lado, as mulheres sempre tiveram um papel igual aos homens nas tomadas de decisão no mundo nómada. No comunismo, as coisas não eram diferentes, e assim ficaram até hoje. Só que há um pormenor mais interessante: apesar de as mulheres reconhecerem a igualdade no campo profissional, não o fazem a nível sentimental.

Qualquer mulher neste lado do mundo dirá que a principal característica desejável num homem é ser forte. Ou seja, por cá espera-se que um homem corresponda ao que dele se espera. Assegurar a qualidade de vida de uma mulher, responsabilizar-se por tudo, pagar sempre que é necessário. Como me dizia uma amiga moscovita “Há algo de mais romântico que um homem dar tudo a uma mulher?”
Que enorme contraste entre esta realidade e as experiências que há dias me contava uma amiga casaque, queixando-se de um antigo namorado belga. Estando ela em casa um belo fim de semana, a transladar móveis a grande custo, telefonou ao namorado, esperando a sua ajuda. O rapaz, à boa maneira pos-moderna, disse-lhe apenas que ela era forte o suficiente para a tarefa e além disso, não lhe apetecia sair de casa. Um verdadeiro homem com “h”...

Para além da igualdade de direitos, deveres e obrigações entre os sexos, altamente desejável, no mundo do sentimento as coisas serão sempre diferentes. Homens que arrabatam, que tomam decisões e que se impõem ao destino serão sempre queridos ao coração das mulheres.

O tal “h”, pelos vistos, tem que ser conquistado. E merecido.