Friday 21 September 2007

O OBSERVATÓRIO ASTRONÓMICO

Em Lisboa algumas pessoas têm um jipe por motivos óbvios: sacos de compras ou cães, que seria impossível transportar em outro qualquer veículo motorizado, passeios altos que há que transpôr para estacionar; enfim, toda uma sorte de obstáculos que exigem veículos especializados.
Eu também ando de jipe no Casaquistão, mas com a atenuante de não se tratar de um veículo exibicionista – antes parece um frigorífico russo de há 20 anos atrás.

Uma das primeiras experiências com ele foi uma ascenção às montanhas com amigos que visitavam de Portugal.
Num frio e transparente dia de Primavera metemo-nos à estrada (ou algo parecido), e atingimos o cume da montanha, solenemente coroado por um observatório astronómico.
O cimento envelhecia, rodeado de peças enferrujadas que se perdiam na paisagem onde a neve já deixava entrever a vegetação rasteira. Tudo ali era isolamento, distância de tudo. Para quem observa estrelas, deve ser o sitio certo, imaginei.
Com alguma coragem, entrámos. O espaço vazio, seco, acolheu-nos, e nele umas figuras estranhas. Calças de treino, meias com sandálias, camisolas que já tinham visto melhores dias, óculos ao melhor estilo Politburo…mas o ar decadente contrastava com a simpatia com que nos convidaram a entrar. Entramos, e...
Quando o resto do grupo chegou à sala onde nos encontrávamos, ficou algo surprendido com a cena inusitada que se desenrolava.
Um grupo de portugueses (nós) jogavam ping pong numa velha mesa com cientistas russos (afinal não eram os homens da limpeza), num observatório astronómico meio abandonado no Casaquistão. Parecia algo saído de um qualquer filme experimental.
Aquelas ressequidas figuras eram afinal cientistas.
Longe dos dias gloriosos da União Soviética, em que o avanço da ciência garantia regimentos de cientistas bem pagos e descansados a levar mais longe a revolução e a ditadura do proletariado, eram agora pouco mais que vestígios.
Os generosos fluxos de investimento secaram. Sem uma clara missão, fazendo o possível com o que lá vai restando do orçamento público, ali estavam.
Mantendo a sua velha estação, observando as estrelas e o mundo à sua volta, que mudou bem mais que as esferas celestes.

Entre um passado, que trouxe desenvolvimento e saber a um custo elevadissimo, e um futuro em formação, em que o mundo dos negócios conquistou nos corações e nas imaginações o antigo lugar das conquistas cósmicas em nome do povo, fica sempre alguém.

Aqui, ficam os nosso amigos, nos seus velhos trajes, a guardar um conhecimento no qual já ninguém parece muito interessado.

Pelo menos têm uma mesa de ping pong no trabalho, e eu não. Podia ser pior…

2 comments:

Inês said...

Que historia emocionante (quase chorei –só quase!). Ficou contente por saber que continuas a perseguir a verdade na sua maneira mais pura. Tu constatas a situação dos cientistas com tanta ternura que não sei se foi por desleixo que não disseste quem ganhou o jogo de ping pong.
És mesmo um poeta!

O 7 Maldito said...

Ahahahah!
Não tem piada nenhuma mas é cómico. Fez-me lembrar o "Adeus Lenine"...
Mas afinal de contas, ganhámos o ping-pong ou quê?
Abraço