Friday 13 July 2007

C.I.A. Boys

Em Portugal os comboios representam uma ameaça para quem está fora deles. No Casaquistão, a ameaça está lá dentro. A primeira vez que fiz uma viagem de comboio de Almaty, no sul do país até à capital Astana, por pouco escapei de ser preso. Descubri, já um pouco tarde, que tinha que ter documentos para apresentar à polícia sempre presente dentro das composições a verificar a presença de possíveis ilegais a bordo.

A segurança permanente contrasta directamente com a atmosfera calma e segura do país. Depois de ver seguranças armados a guardar uma farmácia, já acreditava em tudo, mas para ver até onde vai a imaginação destas boas gentes , teria de voltar a andar de comboio. Desta feita, munido dos necessários documentos que me manteriam fora do cárcere por mais algum tempo.

Viajava com um amigo, que havia trazido os pais do seu país natal para conhecer o Casaquistão. Pouco depois de deixarmos a cidade naquele fim de tarde luminoso e abafado, e enquanto a mãe se demorava no compartimento, os três homens encostavam-se molemente à janela. Começo então a perceber que ao meu lado um homem contempla igualmente a paisagem e vai olhando para mim, com aquela expressão indesmentível de quem quer entabular (palavra interessante, que me lembra Tábua, por qualquer razão) contacto com um estranho. Claudiquei à pressão e olhei-o. Camisa aberta até à barriga, olho turvo da embriaguez, pele suada e um sorriso simples e franco.
Como é habitual por cá, cumprimentou-me efusamente, depois aos meus companheiros, e imediatamente nos convidou a tomar umas cervejas no wagon restaurant. A ideia de ser amamentado a cerveja por um estranho num compartimento cheio de fumo e gente a falar alto pareceu-me demasiado irresistível para recusar.

O nosso amigo, Bauyrzhan de sua graça, personificava a hospitalidade casaque sem falhas. Cervejas e aperitivos iam e vinham sem descanso, e ele sempre atento ao nosso bem-estar. Sem duplicidade, sem nada na manga. Somente generosidade. Às tantas, já ele está na mesa ao lado a falar com estranhos, e um dos homens dessa mesa já se sentou à nossa. Era jornalista e trazia uma pergunta bombástica, a mais fantasiosa que alguma vez me foi colocada, que formulou um pouco a medo.
Ele e os seus companheiros haviam sido prevenidos pelo chefe de cabine que havia três estrangeiros a bordo (nós!!!) que se suspeitava serem agentes da CIA encarregues da missão de propagar o vírus do SIDA no sul do país, onde nos destinávamos, segundo acreditavam ser a estratégia da agência norte-americana!

Pasmei e ri desbragadamente...olhei para o pai do meu amigo, e não o imaginava a propagar fosse o que fosse, à excepção de gás metano na nossa cabine daí a umas horas.
Resolvida a suspeita, hesitei entre várias atitudes a tomar – indagar sobre tão estranha teoria, rebatê-la veementemente – e decidi pela mais sábia. Ou seja, responder a pergunta com outra: “Ah, ok...Mas pode pedir-me mais uma cerveja?”

1 comment:

Anonymous said...

Lindo!!!!Só a ti é que te acontecem destas. Esses gajos deviam era dar uma voltinha pelos comboios da linha de Sintra, para verem a quantidade de m... que se propaga de fora para dentro desta cidade maravilhosa. Continua e abraço.